quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Interpretação da parábola do filho pródigo II

Com o despertar da personalidade entra o jovem na fase da liberdade. O livre-arbítrio recém-despertado, manifesta-se primeiro em forma negativa, porquanto o ego humano é essencialmente centrífugo, separatista, dispersivo, anticósmico.
E durante muito tempo continua a ego-personalidade a viver exclusivamente nessa dimensão de egoidade hipertrofiada, esbanjando todas as suas potências numa vida dissoluta, como é invariavelmente a vida com 100% de ego-consciência e 0% de Eu-consciência.
E, como toda a culpa livremente cometida gera sofrimentos necessariamente subseqüentes, no ponto culminante das maldades aparece os males.
O jovem começa a sofrer as inevitáveis conseqüências das suas culpas. Sofre, sofre, sofre...
Mas o sofrimento não o levou, logo de início, a redenção. O jovem sofredor culpado procura libertar-se dos males sem se redimir da maldade: associa-se a um pecador inveterado na maldade e dele espera libertação dos seus males. O jovem sofredor, no auge da sua miséria, apela para um rico fazendeiro, morador naquela zona; pede-lhe serviço para poder sobreviver. Sem tardança, o velho pecador se prontifica a ajudar o jovem pecador, mandando guardar uma manada de porcos que ele tem na sua fazenda. Dá serviço ao jovem sofredor – mas não lhe dá alimento.
Assim é que todo egoísta trata todo egoísta.
O jovem acabou pastor de porcos imundos. E, quando ouvia o ruidoso crepitar das vagens de alfarroba entre os dentes dos suínos; quando ele via como os animais, depois de encherem a barriga, deitavam-se gostosamente no chiqueiro e dormiam tranqüilamente, enquanto o jovem, de estômago vazio, sentia o desejo de ser animal também para poder ser estupidamente feliz como eles - então despertou nele algo misterioso...
“Desejava encher sua barriga” (implere ventrem suum), não saciar-se, que é impossível ao racional, mas pelo menos “encher a barriga”, como os porcos, já que outra coisa não lhe era possível. Desejava, pelo menos, esquecer sua insatisfação, já que não se podia satisfazer; tentava enganar, narcotizar com gozos materiais os seus anseios espirituais.
Mas, diz o texto, ninguém lhe dava essa satisfação animalesca. Alimentos materiais não saciam fome espiritual.
Ali, no meio de uma manada de animais satisfeitos, desceu a insatisfação do jovem ao mais profundo nadir da infelicidade.
E foi então que o máximo do sofrimento o levou ao início da redenção. “Ele entrou em si”, diz o texto.
Caiu em si, escrevem os maus tradutores, como se alguém pudesse cair para cima. Entrou em si, diz o autor sacro.
Saiu das periferias do ego pecador e sofredor – entrou no centro do seu Eu redentor. Aconteceu ao filho pródigo a maior coisa que pode acontecer ao homem: a autocompreensão. Que sou eu?...
E toda autocompreensão transborda em auto-realização.
Que sou eu? Sou eu realmente um pastor de porcos? Não! Isto é a triste profissão do meu ego humano - mas não é a gloriosa vocação do meu Eu divino...
Que sou eu?
Eu sou filho daquele pai bondoso. Não sou o que pareço ser exatamente – sou e sempre serei o que sou internamente. Eu pareço ser escravo de um tirano egoísta, que me reduziu a pastor de porcos – mas eu sou o filho livre de alguém que continua a ser meu pai.
Depois desse ingresso no seu Eu, e esse egresso do seu ego, veio o regresso ao Pai. A autocompreensão transborda infalivelmente em auto-realização.
Dizem certos tradutores que o jovem se “arrependeu”; outros chegam ao auge da absurdidade afirmando que ele fez “penitência”. Mas o texto inspirado do Evangelho só conhece a palavra “converteu-se”, ou “transmentalizou-se”. Ultrapassou a sua velha mentalidade ego e entrou na nova consciência do Eu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe sua opinião!

 

blogger templates