quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Interpretação da parábola do filho pródigo I

Evolução do homem através de erros humanos para a verdade divina.


A história do Filho Pródigo é, quase sempre, apresentada exclusivamente como a parábola clássica da misericórdia de Deus para com o pecador penitente. Oradores e escritores fazem dela um poema melodramático e sentimental do amor de um Pai que recebe de braços abertos um filho ingrato que, finalmente, se arrepende dos seus desvarios e regressa à casa paterna. Esse pai misericordioso é Deus, e o filho pródigo é qualquer pecador que se converte.
Não é intenção nossa excluir totalmente essa interpretação comovente.
Entretanto, à luz do texto original do primeiro século, não cremos que seja esta quintessência, o alfa e ômega da história narrada por Jesus. Por entre as linhas aparece algo infinitamente mais profundo e sublime, mais cósmico e ontológico que esse drama do amor paterno e da humanidade filial.
A história do filho pródigo – que, no Evangelho, não é chamada parábola – é o drama da evolução ascensional do homem e a epopéia multimilenar da própria humanidade. Podemos até afirmar que, nessa narrativa, atingiu o espírito do Nazareno as mais excelsas culminâncias da sua visão cósmica sobre o homem individual e sobre a humanidade universal.
A fim de compreendermos devidamente o poema cósmico do filho pródigo, devemos, acima de tudo, remontar ao texto grego do primeiro século, nem sempre fielmente reproduzido em nossas traduções.
No texto grego original de Lucas – o único evangelista que refere o fato e que escreveu diretamente em língua grega – lemos o seguinte: “Um pai tinha dois filhos. Disse-lhe o mais novo: Pai, concede-me a parte da natureza que me convém.”
A Vulgata Latina traduz “Dá-me a porção da substância que me pertence”. Substância, em latim, pode significar “aquilo que subestá”, que subjaz à minha vida, que é a minha natureza humana de jovem. Mas os tradutores entendem, geralmente, por substância o dinheiro.
O texto original grego é bem claro quando diz: “A parte da minha natureza (ousia, do verbo einai, que significa ”ser”) que me convém (epibállon)”.
Que é que o filho mais novo, talvez de 15 anos, pede ao pai?
Muitos pensam que ele tenha pedido a parte dos bens materiais a que julgava ter dinheiro, e o pai teria distribuído entre os dois filhos os bens da família, na medida do direito de cada um. Mas teria um rapaz o direito de pedir isto ao pai? E, se assim acontecera, como se entende que, após o regresso do filho pródigo, o filho mais velho diz ao pai que nunca recebeu nada dele? Se houvesse partilha dos bens, teria o filho mais velho recebido a sua parte, e não se poderia queixar.
O texto grego não se refere à partilha dos bens, fala da parte da natureza (ousia) que ao jovem convém. Isto é, o jovem reclama o direito da sua juventude, insiste na sua liberdade pessoal de jovem independente, faz valer o direito de não mais ser criança dependente, mas adolescente autônomo. Pede um modo de vida conveniente (epibállon) a sua natureza de jovem.
O pai reconhece, em silêncio, essa conveniência; não protesta, não dissuade o jovem com nenhuma palavra; reconhece que ele deve iniciar a fase da sua adolescência. Também não aparece nenhuma mãe chorando e dissuadindo o filho de gozar os direitos da sua mocidade independente.
Em silêncio, “o pai dividiu entre eles a vida” (bios). A palavra grega “bios” quer dizer “vida”, onde a Vulgata Latina repete a mesma palavra “substância”.

O pai dividiu a vida (
bios) entre os dois filhos: o mais velho continua na sua vida dependente, o mais novo inicia uma vida independente. Ou seja: o filho mais novo desperta para o segundo estágio da evolução hominal, deixa de ser criança inexperiente, e passa a ser um jovem experiente da sua ego-personalidade ao passo que seu irmão mais velho continua estagnado no plano do seu infra-ego inexperiente; não comeu ainda do “fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal”, como diria Moisés.

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